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1 - A Surpresa.
Meu coração deu um salto no peito e
um calafrio estreceu meu corpo. Em vez das fracas luzes
fluorescentes do posto de gasolina, fui impactado por
uma cena estranha e desoladora — um amplo saguão de
aeroporto que parecia ter sido devastado por algum
cataclismo apocalíptico estava bem diante de mim. O ar
cheirava levemente a plástico queimado e concreto úmido.
Meus olhos percorreram rapidamente o
ambiente, absorvendo a cena bizarra à minha frente. Para
onde eu olhasse havia cacos de vidro e detritos
espalhados pelo piso. Cartazes de propaganda pendiam
tortos nas paredes, cobertos por caracteres japoneses
que confirmaram minha suspeita: eu não estava mais no
meu mundo. Os assentos espalhados pelo terminal estavam
virados ou completamente destruídos, com estofamento
rasgado, revelando armações metálicas enferrujadas.
As telas que deveriam exibir voos e
horários pendiam do teto, mas todas estavam preenchidas
por um brilho verde uniforme, como um fundo de chroma
key esperando algo a ser projetado. Nenhum som, nenhum
anúncio, nenhuma voz humana. Só um zumbido metálico
distante.
As vitrines das lojas estavam vazias,
algumas estilhaçadas. As escadas rolantes paradas,
sustentavam figuras humanas imóveis sem expressão alguma
— pessoas que pareciam congeladas no tempo, paradas como
estátuas em meio ao silêncio sepulcral.
"Isso não pode ser real", murmurei,
balançando a cabeça. O desespero me dominou quando me
virei novamente para a porta do banheiro. Talvez, se eu
voltasse para dentro, fechasse os olhos, contasse até
dez, tudo desapareceria. Isso só poderia ser um
pesadelo. Mas quando girei a maçaneta e abri a porta
novamente, era outro banheiro completamente diferente e
destruído.
2 – A Menina no Banheiro.
Apertei a maçaneta com força e fechei
a porta do banheiro atrás de mim, como se pudesse selar
aquele mundo bizarro do lado de fora. Meu peito arfava,
tentando processar a cena absurda que eu acabara de
testemunhar. "Isso não faz sentido," murmurei para mim
mesmo, esfregando as têmporas. Precisava me acalmar.
Talvez lavar o rosto ajudasse.
Mas quando olhei para onde deveria
estar a pia, encontrei apenas uma parede rachada e
coberta por algo viscoso e esverdeado. Franzi a testa,
confuso, e virei-me para inspecionar o restante do
ambiente. O que vi me deixou nauseado.
O banheiro estava irreconhecível. Não
era mais o pequeno cômodo funcional do posto de
gasolina. As paredes estavam cobertas por um lodo
escorregadio que parecia pulsar levemente sob a luz
fraca. Azulejos quebrados pendiam em ângulos tortos,
revelando buracos escuros cheios de insetos mortos e
poeira. O chão estava úmido, com pegadas lamacentas,
como se alguém tivesse passado por ali recentemente.
Havia três boxes ao fundo, suas portas metálicas
enferrujadas balançando devagar movidas por uma brisa
que não existia.
Nesse instante ouvi uma voz doce e
meiga ecoando muito próximo a mim: “Oiiii...”
Girei-me rapidamente e senti meu
coração martelando no peito. Encostada na parede oposta
estava uma menina, com uniforme escolar japonês
tradicional — saia azul escura, camisa branca de mangas
curtas, cabelos lisos cortados na altura do queixo com
uma franja reta cobrindo parte da testa. O rosto era
pálido demais, como porcelana.
"Vamos brincar!" disse ela,
inclinando a cabeça para o lado. Sua voz era suave e
sombria ao mesmo tempo.
"Oi.... tudo bem?" respondi
hesitante, notando imediatamente algo estranho. Ela
falava em japonês e, embora eu não entendesse nenhuma
palavra que dizia, minha mente traduzia tudo
instantaneamente. Era como se cada frase entrasse
diretamente nos meus pensamentos. Quando eu respondi em
português, ela assentiu como se compreendesse
perfeitamente. Telepatia? Aquilo era impossível... mas
nada naquele lugar fazia sentido.
Ela apontou para o último boxe e com
um sorriso se alargando, disse: "Lá dentro. A
brincadeira começa ali."
Tão logo falou, foi se encaminhado
para o último box e olhando para mim. Neste momento vi
seus olhos mudarem de cor ficando totalmente amarelos.
Balancei a cabeça freneticamente,
dando um passo para trás. "Não. Não quero." Minhas
palavras saíram em um sussurro rouco, mas ela pareceu
ouvi-las claramente. Com expressão séria, ela me encarou
como se estivesse avaliando minhas fraquezas. Então, sem
aviso, deu um passo à frente.
Única coisa que pensava era sair dali
correndo e foi o que fiz. Abri a porta do banheiro e
reencontrei a cena apocalíptica do saguão do aeroporto.
3 - Caminhando pelo Aeroporto.
Saí do banheiro às pressas com o
coração disparado. Se aquela porta não era o caminho de
volta para o banheiro do posto, talvez houvesse outra
saída em algum lugar do aeroporto. Comecei a caminhar. O
saguão do aeroporto era um panorama de devastação, como
se tivesse sido esquecido por décadas ou sobrevivido a
uma guerra.
As luzes no teto tremeluziam,
emitindo faíscas ocasionais. Algumas pendiam por fios
expostos. Os letreiros estavam apagados ou rachados,
muitos com as telas trincadas. Passei por máquinas
automáticas de biscoitos e bebidas. Estavam desligadas,
cobertas de poeira e teias de aranha, mas ainda cheias
de produtos em seus compartimentos interno a espera de
clientes.
As pessoas… eram o pior. Andavam por
ali, mas não eram normais. Algumas tinham olhos
amarelos, outras pretos como carvão, e algumas — as mais
inquietantes — olhos completamente vermelhos, brilhando
sob a luz fraca.
A maioria delas não conversava.
Apenas se olhavam, imóveis, trocando olhares longos e
vazios, como se esperassem um sinal que nunca viria. Nos
balcões das companhias aéreas percebi algo ainda mais
bizarro. Pessoas envolvidas em diálogos intermináveis.
Os lábios se moviam, gesticulavam repetidamente, mas não
tinham expressões faciais e nem era possível escutar
algum som.
As roupas eram antiquadas e sujas. Vi
mulheres em quimonos antigos, alguns rasgados. Homens
vestidos como samurais ou como executivos de terno e
gravata, mas todos igualmente empoeirados, com roupas
manchadas e rasgadas.
Os terminais de check-in estavam
quebrados e sujos. As telas lembravam monitores antigos
de tubo, da década de 80 de fósforo verde, com o prompt
vazio piscando, como se esperassem alguém digitar algo.
Vi pessoas imóveis diante das
máquinas. Outras gesticulavam com irritação, como se
discutissem com aquilo que achavam estar vendo, mesmo
que algumas telas estivessem totalmente apagadas.
O silêncio era absoluto. Mas se eu
prestasse atenção, muito ao fundo, quase como um
sussurro na mente, podia ouvir murmúrios: vozes de
crianças, anúncios em alto-falantes, ruído de motores de
aviões, o tilintar das rodinhas de malas — tudo ao mesmo
tempo, como uma lembrança gravada naquele espaço ou como
se em outra dimensão tudo funcionasse perfeitamente bem.
Em certos momentos, percebi que
algumas dessas pessoas — ou o que quer que fossem —
percebiam minha presença. Suas expressões se contorciam
por um instante, como se minha presença ali fosse uma
afronta. Rostos tensos, olhos acusadores. Mas nunca
vinham até mim. Nunca falavam. Apenas... me odiavam em
silêncio.
Decidi subir para o segundo
pavimento. As escadas rolantes estavam paradas, cobertas
de poeira e alguns degraus com terra. As pessoas
permaneciam imóveis sobre os degraus. Eu pedi licença,
mas ninguém reagiu. Com esforço, subi por entre elas.
Lá em cima, o cenário não era melhor.
Nos restaurantes e lanchonetes, as
mesas estavam cheias, mas ninguém comia. As pessoas
apenas se olhavam. Os garçons caminhavam em círculos,
passando pelas mesas e balcões, sem jamais parar, como
bonecos quebrados presos em um loop de programação.
Passei por uma livraria. As manchetes
me chamaram a atenção. Jornais japoneses preenchiam as
prateleiras, mas entre eles havia edições de grandes
publicações ocidentais — The Guardian, Le Monde, La
Stampa, Die Welt, The New York Times. Uma manchete em
especial me fez parar: a foto de um homem discursando na
Assembleia da ONU. Acima da imagem, lia-se: “Presidente
de Taured discursa na ONU e prega paz e união entre
todas as nações.”
Minha respiração parou. Taured
existia naquele mundo, pensei espantado.
Continuei observando e vi a capa da
revista TIME, com a foto do mesmo homem que aparecia ao
lado de uma bela mulher com a legenda: “Casal do Ano.”
Intrigado, quis pegar a revista para folhear e ver suas
páginas, mas um assobio agudo e crescente, semelhante o
despencar de uma bomba, vindo aparentemente de fora do
aeroporto, desviou minha atenção.
Virei-me e caminhei até uma imensa
janela de vidro que ia do chão ao teto. Ao chegar
encontrei uma vista perturbadora. O céu era vermelho,
tingido por manchas cinzentas, nuvens pesadas como as
que precedem um temporal. A pista do aeroporto parecia
um campo de guerra. A pista estava irreconhecível:
crateras de bombardeios, aviões antigos destruídos e
cobertos por mato alto. Aviões modernos estavam
estacionados, mas tão enferrujados que pareciam
fantasmas de metal. Mais adiante, na pista, um avião
inteiro moderno jazia queimado, reduzido a uma carcaça
carbonizada.
Pessoas com malas caminhavam até
alguns desses aviões. Aproximavam-se, depois recuavam.
Voltavam, hesitavam, e se afastavam novamente. Ficavam
presas nesse ciclo repetitivo, sem jamais embarcar.
Virei-me lentamente, o coração pesado
com aquela angústia que parecia me corroer por dentro.
Cada detalhe gritava que aquele lugar não era meu mundo.
Eu estava em algum canto escuro do universo ou da minha
mente? O Japão ficava do outro lado do planeta, mas esse
não era o Japão que eu conhecia, então, onde exatamente
eu estava agora? A aflição crescia na alma porque eu não
sabia como voltaria para casa.
4 - A Mulher Perdida na Estação.
No fim daquele pavimento desolado,
algo chamou minha atenção. Uma escada rolante em
movimento levava ao terceiro andar. A curiosidade me
impulsionou a ir até lá e subir. Quando cheguei ao topo,
fiquei surpreso ao encontrar uma estação de metrô dentro
do aeroporto. Era um espaço amplo, mas igualmente
desolado. As paredes de azulejos brancos e azuis estavam
rachadas e cobertas por marcas de fuligem, enquanto
cartazes desbotados promoviam destinos ininteligíveis
escritos em japonês. O silêncio era esmagador,
interrompido apenas pelo zumbido distante de lâmpadas
tremeluzentes.
Fiquei ali parado por alguns
segundos, observando o nada, até que ouvi o barulho
metálico de um trem se aproximando, como um rugido vindo
debaixo da terra. Espiei dentro dos vagões através das
vidraças sujas, mas eles estavam completamente vazios.
Não havia ninguém sentado nos bancos ou em pé, nem mesmo
sombras se movendo lá dentro.
Quando o trem parou, as portas
automáticas se abriram com um sibilo mecânico. Então,
saiu do trem uma mulher jovem, de cabelos castanhos
bagunçados e olhos vermelhos inchados, indicando ter
chorado muito. Ela vestia um casaco leve e calça jeans
desgastados e carregava uma pequena bolsa a tiracolo.
Seu rosto estava pálido, parecendo confusa e
completamente perdida. O trem fecha a porta e continua a
viagem desaparecendo na escuridão do túnel.
"Por favor," disse ela com a voz
trêmula enquanto se dirigia a mim. "Eu estou tentando
voltar para casa há meia hora.”
“Você… você está preso aqui também?”,
perguntou, ofegante. Não soube o que responder. Ela
olhou ao redor com desespero. Sentou-se no banco de
concreto e pôs as mãos na cabeça, trêmula. “Eu entrei no
trem certo. Era o meu trem de sempre. Mas ele só passa
por estações que nunca vi na vida. Tirou o celular da
mochila, apertou a tela algumas vezes e mostrou. “Não
tem sinal! Nada!”
Enquanto ela falava, outro trem
apareceu ao longe, iluminando o túnel com faróis
amarelados. Ela olhou para o veículo que se aproximava e
disse: "Acho que vou tentar novamente voltar para casa,"
murmurou, mais para si mesma do que para mim. "Talvez
desta vez eu encontre a linha certa."
"Você tem certeza?" perguntei,
preocupado. "Isso parece perigoso."
Ela deu um sorriso triste.
"Permanecer aqui é ainda pior. Se eu ficar, sei que
nunca conseguirei voltar para casa." Antes que eu
pudesse argumentar, ela correu para o trem que acabara
de parar. As portas se abriram e logo se fecharam atrás
dela com um clique definitivo e o veículo partiu
rapidamente, sumindo nas sombras do túnel.
5 – Os Homens de Preto.
Desci as escadas rolantes, que agora
estavam paradas, tentando alcançar o térreo. A cada
passo, o ambiente parecia ficar mais opressor. Meus
olhos escaneavam cada canto, cada sombra, tentando
identificar algum indício de saída daquele lugar para
voltar à normalidade do meu mundo.
Foi então que deparei com uma porta
discreta, de aparência desgastada, com dois ideogramas
japoneses posicionados ao lado do número 444.
Por alguma razão que não soube
explicar, hesitei por um breve momento. A curiosidade,
no entanto, falou mais alto.
Com cuidado, girei a maçaneta e
empurrei a porta devagar.
Do outro lado, encontrei uma sala
escura e úmida. No chão, agachadas, havia várias figuras
humanas pálidas cujos olhos vermelhos reluziam na
penumbra. Elas viraram os rostos em minha direção
simultaneamente, como se estivessem sincronizadas. O ar
pareceu ficar denso, quase palpável.
A mais próxima de mim rosnou, sua voz
baixa, mas carregada de ódio: “Saia daqui!”
Outra voz ecoou, mais alta: “Este
mundo não pertence a você!”
“Vá embora antes que seja tarde
demais para voltar ao seu próprio mundo!”
O tom era ao mesmo tempo ameaçador e
profético. Meu corpo inteiro reagiu aos instintos de
alerta. Fechei a porta com força e dei dois passos para
trás, temendo que uma daquelas figuras pudesse
atravessar as paredes a qualquer momento. Mas nada
aconteceu. Apenas o silêncio permaneceu do outro lado.
Ao passar por uma loja abandonada,
fui imediatamente atraído por algo incomum: peles
humanas tatuadas estendidas em um varal improvisado,
como se fossem mercadorias à venda. Antes que pudesse
processar o que via, um homem jovem, completamente
coberto por tatuagens intrincadas, surgiu do fundo da
loja, gritando: "Saia daqui! Sai! Sai!” Seus gestos eram
frenéticos, quase animalescos. Eu me afastei
rapidamente, evitando atrair mais atenção.
Continuei caminhando, tentando
ignorar uma sensação de estar sendo observado. Então, ao
passar por uma grande loja cujas prateleiras estavam
caóticas e produtos espalhados pelo chão, ouvi risos
infantis vindos do fundo. Me aproximei cautelosamente e
vi três meninos brincando com uma bola. Eram
brasileiros, isso era evidente pela aparência e pelo
idioma que falavam entre si.
"Vocês sabem como sair daqui?"
perguntei, hesitante. Os meninos continuaram sua
brincadeira como se eu nem estivesse ali. Tentei
novamente, dirigindo-me ao garoto mais próximo. Ele
finalmente me encarou, mas sua resposta foi cortante:
"Não quero voltar pra casa! Quero ficar aqui!"
Neste momento percebi que aqueles
três garotos eram os mesmos do cartaz preso no banheiro
do posto de combustível e que tinha visto brincando na
quadra de esportes próxima. Era tudo confuso na minha
mente. Não conseguia processar um sentido lógico para
aquela experiencia.
Antes que eu pudesse reagir, um grito
rasgou o ar vindo da entrada do aeroporto. Um som
gutural, carregado de ódio. Corri até a entrada da loja
e então vi uma mulher horrivelmente magra, com a boca
rasgada por um corte longo e profundo que ia de um canto
ao outro do rosto. Sangue escorria dos lados da boca
como uma caricatura grotesca de um sorriso. Ao seu lado,
dois homens de terno preto e óculos escuros, parecendo
agentes de segurança do aeroporto.
Ao me ver gritou, apontando com o
dedo ensanguentado para mim: “Olha ele lá!”. Os homens
começaram a correr em minha direção.
Senti meu coração disparar enquanto
avaliava minhas opções de fuga. Foi então que uma mão
pequena agarrou meu braço. Era o mesmo garoto da loja.
"Corre! Vem aqui pra dentro!" - ele gritou, puxando-me
para uma porta lateral.
Começamos a correr, atravessando
algumas salas e corredores totalmente vazios em uma
espécie de labirinto, até entrarmos em uma sala cheia de
malas empilhadas. Derrubamos algumas no caminho para
atrasá-los, pois já era possível ouvir os passos pesados
dos homens atrás de nós.
Ao abrir mais uma porta, entramos em
um mercado de peixes. Muito surreal encontrar um lugar
assim dentro do aeroporto. Todos eram do mesmo tipo,
provavelmente atum, mas de vários tamanhos. O ambiente
era extremamente gelado, como uma câmara frigorífica,
com peixes frescos espalhados sobre prateleiras de gelo.
Atuns inteiros e grandes jaziam sobre bancadas de metal.
O ar estava carregado de um cheiro forte de sal e
sangue. Não havia ninguém lá, apenas um silêncio pesado
e o som ocasional de água pingando das torneiras
enferrujadas. Nesse instante percebi que o menino que me
guiava tinha desaparecido. Estava agora sozinho. A
qualquer momento os homens de preto poderiam abrir a
porta e me alcançar.
No balcão central, vi panelas de
metal e facas enormes. Sem pensar duas vezes, peguei uma
das facas pronto para me defender. Joguei vários peixes
no chão na intensão que eles escorregassem quando
chegassem.
Ao abrirem a porta, um escorregou e
outro atirou em minha direção. Os tiros erraram por
pouco, ricocheteando contra as algumas panelas
penduradas. Abri a porta dos fundos e estava novamente
no saguão do aeroporto. À minha frente havia um longo
corredor com várias portas. Temi abrir alguma delas, mas
não tive escolha. Abri uma das primeiras pensando que
logo os homens chegariam. Para minha surpresa era uma
sala grande com uma pista de autorama de grande escala,
com múltiplas faixas curvas dispostas em diferentes
níveis e elevações. Miniaturas de carros de corrida
decoravam a pista. Nas paredes, pôsteres coloridos de
animes e jogos japoneses reforçavam que se tratava de um
local divertido e temático.
Caminhei pela sala olhando
atentamente todo ambiente. Ao ver uma cadeira vazia
pensei em trancar a porta com ela, pois os homens
poderiam ainda estar à minha procura. Fiz isso e
procurei em volta outra saída. Localizei uma pilha de
monitores antigos e torres de PCs, todos quebrados, que
parecia obstruir uma porta. Retirei o entulho e tentei
abrir a porta. Felizmente não estava trancada.
Cauteloso, abri devagar e vejo um ambiente estranho,
semelhante a um laboratório futurista. Escuto os homens
baterem e forçarem a porta que eu havia travado com a
cadeira. Precisava sair logo dali.
6 – O Cientista Maluco.
Abri a porta com cuidado. Uma pequena
sala mal iluminada estava separada de outro ambiente por
uma cortina escura. Dei alguns passos cautelosos,
sentindo um líquido espesso e gelatinoso grudar na sola
do sapato. Gotejava do teto em fios lentos, quase vivos,
formando poças viscosas no chão. Esfreguei os pés no
piso cheio de rachaduras, tentando remover o excesso,
mas fui interrompido por um gato preto que rosnou
repentinamente aos meus pés, surgindo das sombras como
uma aparição. Dei um salto com o coração acelerado.
Abri a cortina e olhei o ambiente.
Era um pandemônio organizado. A definição mais precisa
que se pode dar ao que parecia ser a fusão entre um
monte de ferro-velho e um laboratório clandestino -
peças soltas de motores, hélices enferrujadas, pneus,
painéis de aeronaves antigas entre outros itens velhos
estavam empilhados ao lado de tubos de ensaio manchados
de graxa, garrafas com líquidos de várias cores.
Monitores antigos espalhados por uma grande bancada
piscavam freneticamente, exibindo códigos desconexos.
No centro da sala, chamava a atenção
uma estrutura imponente: um armário de duas portas,
recoberto por pedaços de espelhos de formatos
irregulares, fios coloridos e tubos de válvulas de
antigas TVs. No topo uma sirene vermelha completava o
estranho móvel. O interior era forrado com couro negro
com pequenas lâmpadas azuis e orifícios que liberavam um
gás azulado.
Do fundo do laboratório, uma voz
aguda revirou minha memória - “O avião! O avião!”
Atrás de um amontoado de monitores
quebrados, surgiu uma figura baixa, um anão idêntico ao
personagem Tattoo da antiga série de televisão Ilha da
Fantasia. Vestia um jaleco branco amarrotado, cabelos
pretos espetados em todas as direções, óculos grossos
com lentes rachadas e uma expressão de puro êxtase
científico. Ele andava aos saltos pelo laboratório,
agitado e rindo como se tivesse sobrevivido a uma
descarga elétrica. Em uma mão segurava um rádio de
pilhas coberto com fita adesiva e botões improvisados e
na outra empunhava uma antena de bambu de quase um
metro, balançando-a como se procurasse captar sinais
vindos de outro mundo.
Quando me viu, arregalou os olhos.
Fez uma pose dramática, apontando para mim como um
advogado acusando um criminoso em um tribunal.
“John! É você? Como pode estar aqui
se ainda não terminei de construir o armário quântico?”
Falou com um espanto quase teatral.
Levantei as mãos devagar. “Calma,
calma, não sou John. Na verdade, estou procurando por
ele.”
Ele me olhou com desconfiança
tentando entender um quebra cabeça cujas peças não se
encaixavam e explicou:
“Eu teletransportei John Titor para
outra realidade e agora não consigo trazer ele de volta,
mas conseguirei assim que terminar de consertar meu
armário do tempo.” Falou em tom resignado colocando os
instrumentos que carregava na bancada.
Tentei desfazer a confusão. “Não,
não... Não procuro por John Titor. O John que procuro é
John Zegrus!”
A expressão dele se contraiu num
misto de choque e ofensa.
“O que? Zegrus?! Isso é um absurdo!
Um completo impostor! Ele é um produto residual de uma
linha de mundo divergente! Uma lenda urbana de anos
atrás. Titor é o verdadeiro! O profeta do caos que o
mundo aguarda!”
“Espere!” interrompi. “Talvez ambos
existam… mas em universos diferentes. Multiversos
distintos, entende? Eu mesmo não sou daqui.”
Ele me encarou por um longo tempo.
Esboçou uma risada contida, como se ele tivesse
entendido alguma coisa que eu não compreendia.
“Então você também é um viajante do
tempo... interessante... muito interessante...”
Ele andou em círculos ao meu redor,
murmurando equações imaginárias. Olhou para mim com um
brilho maníaco nos olhos e disse:
“Estou tentando estabilizar o desvio
temporal e reverter as camadas de fótons do tempo. Mas
os homens de preto estão atrás de mim porque eu descobri
demais. Eles são do Conselho de Investigação Paranormal.
Querem me impedir de fazer contato com outras
realidades.”
Assenti, entendendo que ele também
era caçado, como eu.
“Eles também me perseguem”,
confessei.
Ele sorriu. “Somos irmãos de
infortúnio, então. Mas talvez o destino nos uniu por
algum motivo. Eu vi um homem há poucos dias. Deve ser
quem você procura. Não era oriental. Foi detido por
seguranças do aeroporto. Tinha documentos estranhos,
falava coisas desconexas...”
“É ele!”, interrompi. “Só pode ser
Zegrus. Pode me levar até ele?”
“Sim, mas teremos de ser discretos.
Aqueles homens estão por toda parte.”
Saímos juntos, atravessando
corredores escuros, usando passagens escondidas por trás
de painéis soltos e portas ocultas. Tive a impressão que
ele estava habituado àquelas passagens como se estivesse
muito tempo ali. À distância, vi os homens de preto
rondando. Em alguns momentos do percurso, tivemos de
parar atrás de colunas, agachar em vestiários, nos
esgueirar por entre salas abandonadas.
No caminho, passamos em frente a uma
porta estreita entre duas lanternas vermelhas. Três
mulheres jovens e seminuas acenaram para nós com gestos
sedutores, chamando-nos com os dedos.
“Ignore-as!”, disse o homenzinho
firme. “Se você entrar ali, estará perdido para sempre.
São armadilhas da Yakuza. Mulheres traficadas de outros
mundos. Lá dentro... são monstruosidades que sugam sua
energia vital até restar do seu corpo só pele e osso. A
porta se fecha para sempre. Quem entra nunca mais sai de
lá.”
Desviei o olhar, evitando olhar
aquelas mulheres que pareciam implorar por algo… ou
fingiam.
Continuamos. Após várias salas, lojas
abandonadas e corredores que pareciam dobrar sobre si
mesmos em um interminável labirinto, mas sempre com
cuidado para não sermos visto, chegamos a uma porta
trancada, protegida apenas por um simples trinco.
“É aqui. Preciso voltar para meu
laboratório. Eles me rastreiam pela respiração. Boa
sorte, viajante do caos.”
Sem esperar meu agradecimento, voltou
correndo, quase aos pulos, pelo corredor e gargalhando
até virar para outro corredor.
7 - Reencontro com John Zegrus.
Abri a porta com cuidado. Ali dentro,
sentado em um banco de madeira, estava ele, John Zegrus.
Ele levantou os olhos e me encarou na entrada da porta.
Um leve sorriso surgiu da sua expressão resignada. “Helios...”
murmurou, inclinando a cabeça para trás.
Ele se levantou devagar, aproximou-se
da porta, olhou os dois lados do corredor e voltou-se
para mim com expressão de preocupação. "Você não deveria
estar aqui..." disse, fechando a porta cuidadosamente,
certificando-se de que ninguém me visse. "O que
aconteceu?" Perguntou olhando para mim com curiosidade.
Expliquei como pude. “Você demorou a
voltar para o carro, então fui ver o que estava
acontecendo. Entrei no banheiro e minha última lembrança
foi um ponto luminoso vermelho no espelho. Depois, me
senti tonto e, quando saí do banheiro estava neste lugar
horripilante. Tentei voltar, mas o banheiro já não era
mais o mesmo do posto de combustível. Era outro, deste
mundo.
Zegrus assentiu lentamente como quem
compreende a situação e explicou: "Este é o Aeroporto de
Haneda ou o Aeroporto Internacional de Tóquio. Estamos
em um multiverso diferente do que estávamos. Essa
situação é um risco comum em viagens interdimensionais.
Por isso que o mecanismo de viagem ao passado a que fui
submetido ser arriscado e perigoso. É preciso estar
preparado para imprevistos quando transitamos de um
universo para outro.
"Mas onde exatamente estamos?",
indaguei preocupado?
“Estamos em um Universo-Lixo”, disse
ele, com tom grave e continuou:
“Este é um universo intermediário,
bizarro, surreal, onde coisas incompletas e rejeitadas
são acumuladas. Fica entre dois mundos paralelos. É como
o sótão de uma casa, onde ficam guardados os materiais
de construção que não foram usados durante a obra e se
acumulam outros objetos inúteis. Aqui repousam restos de
tempo e espaço incompletos, junto com fragmentos da
mente humana, criando uma realidade instável e caótica.
Emoções descontroladas, pensamentos desconexos, medos
profundos de todas pessoas... tudo isso molda este
lugar.
Respirei fundo, tentando absorver.
“As pessoas que você viu aqui, com
comportamentos repetitivos e atitudes estranhas, são
criações mentais, lendas urbanas, medos, sonhos,
personagens da literatura e fragmentos da imaginação
humana que se misturam, dando vida a esse ambiente
surreal e às figuras bizarras que você encontrou aqui.
Quanto mais pessoas acreditam em algo, mais real se
torna neste plano dimensional. Fez uma pausa massageando
os próprios ombros tensos e com uma expressão de que
tivesse lembrado outro ponto importante, falou:
"No entanto, existem outros tipos de
universos paralelos, como os chamados Universos
Criativos. Esses são formados pelas criações mentais
humanas, mas parecem normais e habitáveis. Neles, você
vai encontrar super-heróis do cinema e das histórias em
quadrinhos, personagens fictícios da literatura e até
Papai Noel... a mente das crianças é poderosa." Ele
sorriu brevemente. "Tudo o que milhões de mentes
imaginam juntas ganha forma e vida em algum lugar do
multiverso. Por exemplo, existe um multiverso onde o
Planeta dos Macacos é real. Foi criado pela força mental
coletiva de milhões de leitores e espectadores."
Zegrus fez uma pausa e completou:
"Existe ainda o universo dos mortos, mas não tenho tempo
para explicar agora. Você precisa voltar rápido." -
disse olhando para a porta com ar de preocupação.
Ele tirou do dedo o anel com pedra
vermelha e colocou-o na minha mão. "Para transitar entre
os multiversos use isto. Coloque o anel diante de uma
superfície refletida, como vidro ou metal. Quando o
ponto luminoso vermelho aparecer, afaste o anel e toque
no ponto com o dedo, pensando no universo para onde
deseja ir. Sua mente será teletransportada para lá. Se
não for para o lugar certo, repita o processo até
acertar. Com o tempo, aprenderá a guiar sua mente com
mais precisão. Mas lembre-se: quem estiver tocando você
no momento da ativação será levado junto. Você poderá ir
para o passado ou futuro, mas sempre em outro universo,
não o seu."
Eu estava admirado com tanta
informação que desconhecia. Por fim, tocou as duas mãos
nos meu ombros e finalizou: "Esse anel é para propósitos
nobres. Use-o para salvar vidas e mudar destinos para
bem."
Olhando para minha mão com o anel
disse: "Coloque-o no dedo que couber, não importa qual
deles."
Coloquei no dedo médio da mão direita
e indaguei: “O que vai acontecer com você? Como sairá
daqui?”
“Eu serei sentenciado a um ano de
prisão por ter entrado ilegalmente no Japão. Mas estou
preparado para escapar dessa situação sem o anel.
Lembra, sou militar e especialista em extração e
inserção mental. Não entenderão meu desaparecimento e
pensarão que eu tirarei a própria vida, mas nada de
grave me acontecerá, apenas minha mente retornará para
meu mundo.”
“E nos veremos de novo?”, perguntei,
preocupado.
Ele sorriu. “Se houver necessidade,
sim. Eu e os outros pesquisadores da Neuralink estaremos
acompanhando você do nosso universo. Quando a campainha
da sua casa tocar e não houver ninguém na porta, saberá
que estamos por perto. Vamos enviar ideias sugestivas à
sua mente. Usaremos técnicas avançadas para enviar para
seu cérebro "inputs mentais" com orientações do caminho
que deve seguir para iniciar a fundação de Taured.
Mantenha-se receptivo, com a mente aberta e as ideias
virão naturalmente."
"O projeto que você apresentará ao
mundo será um embrião. Não precisa de estudo profundo,
mas uma semente embrionária. Depois outros mais
preparados acolherão o projeto embrionário e ajudarão a
tornar realidade no seu mundo o que já é no nosso. Nós
guiaremos você para fundar Taured."
Tão logo terminou ouvimos passos e
vozes no corredor. Estavam perto.
“Precisa voltar agora”, disse ele,
olhando nos meus olhos.
A tensão cresceu em seu rosto.
Procurava algo. Seus olhos pousaram sobre a maçaneta
metálica da porta.
“Isso aqui serve.”
Pegou minha mão e aproximou o anel da
maçaneta.
“Pense no seu mundo. Visualize. Fixe
seu olhar na superfície da maçaneta e pense no seu
mundo, sua vida, sua casa, as coisas que mais gosta.
Deseje com bastante vontade de estar no seu mundo.”
Vi que a pedra brilhou ao mesmo tempo
que um ponto luminoso apareceu na superfície metálica da
maçaneta.
“Agora! Coloque o dedo no portal!”
Ordenou com muito vigor.
Vi a maçaneta ficando turva, comecei
a ficar tonto e não vi mais nada.
8 - De Volta ao Cemitério.
Abri os olhos com uma forte dor de
cabeça e uma tonteira que me fez cambalear levemente.
“Meu Deus… o que é isso?”, murmurei, levando
instintivamente as mãos à cabeça. Estava diante do
túmulo do pai da minha amiga sem entender o que estava
acontecendo.
Confuso, olhei ao redor. "Que
sensação estranha... Isso nunca me aconteceu!" pensei
alto, tentando organizar meus pensamentos. Olhei para o
relógio no pulso: o ponteiro marcava 17h50.
Levei as mãos à cabeça novamente,
tentando aliviar a dor lancinante. Uma sensação de
déjà-vu tomou conta de mim com uma intensidade
avassaladora. Por mais que eu forçasse minha mente, não
conseguia lembrar exatamente o que, quando ou onde
aquilo já havia ocorrido.
De repente, veio uma onda de ânsia de
vômito tão forte que precisei me apoiar em um dos
túmulos próximos para recuperar o equilíbrio. Meus
joelhos fraquejaram e fiquei ali por alguns segundos
respirando fundo, tentando acalmar-me. Quando levantei
os olhos, notei que o cemitério estava vazio, sem
ninguém à vista. Ainda zonzo, cambaleei até o carro,
abrindo a porta com dificuldade.
Lembrei-me do eclipse solar que
deveria estar em seu ponto máximo naquele momento. Mas,
mesmo sabendo que era um espetáculo raro da natureza,
não tinha condições de admirá-lo. Fiquei sentado dentro
do carro por cerca de cinco minutos, esperando que a
sensação de mal-estar passasse.
O entusiasmo inicial pelo eclipse
desaparecera completamente, substituído por uma sensação
opressiva de desconforto físico e mental. Assim que me
senti um pouco melhor, liguei o carro e continuei minha
viagem em direção a São José do Norte. No entanto, ainda
me sentia fraco e desorientado. Decidi que precisava
descansar e que ficaria sozinho em um hotel. Gravei uma
mensagem de áudio para meu amigo: "Não espere por mim
hoje. Nos encontramos amanhã." Encerrei sem dar muitas
explicações.
Ao olhar para o painel, percebi que o
combustível estava na reserva. Apesar de preocupado, só
queria chegar ao centro de São José do Norte o mais
rápido possível para encontrar um lugar para descansar.
Ao passar pelo Posto Gibbon, senti novamente aquela
mesma sensação avassaladora de déjà-vu. Nunca estive
antes naquela região, mas aquele lugar era muito
familiar e não entendi o motivo daquela sensação.
Chegando à cidade, procurei
rapidamente por um hotel disponível e me hospedei no
primeiro que encontrei. O Hotel Caçulão era muito
simples, talvez nem merecesse uma estrela de
classificação. Não estava preocupado com isso, pois nas
condições em que eu me encontrava só queria era um lugar
quieto para me deitar e descansar
No quarto, após tomar um banho
quente, deitei na cama, tentando organizar meus
pensamentos. Tive a forte impressão de que algo havia
acontecido no cemitério, mas não conseguia me lembrar
exatamente o que tinha sido. O cansaço era imenso, tanto
físico quanto mental. Resolvi relaxar a mente e não
pensar em nada. Apesar disso, não tinha sono. Fechei os
olhos por alguns minutos, apenas escutando o silêncio do
ambiente.
Quando abri os olhos novamente,
virei-me para o lado. Meu olhar pousou sobre a TV.
Pensei em ligá-la, mas o controle remoto estava na mesa
ao lado do aparelho. Não quis levantar e fiquei
paralisado por alguns segundos, observando o pequeno LED
vermelho de standby da televisão. Aquele pequeno ponto
luminoso me fez lembrar de algo — a mancha vermelha no
vidro do retrato no cemitério. De repente, flashes
começaram a surgir em minha mente. Comecei a lembrar do
momento em que toquei aquela mancha vermelha e da
presença de John Zegrus.
Aos poucos, as peças começaram a se
encaixar e lembrei-me do diálogo com ele.
A urgência de registrar tudo me tomou
por completo. Levantei e fui até a mesa. Abri o notebook
e comecei a digitar. As lembranças fluíam com clareza,
como se estivessem sendo ditadas por algo dentro ou além
de mim. Registrei cada detalhe na mesma ordem dos
acontecimentos daquilo que parecia ter sido um sonho,
desde o momento do toque na mancha vermelha até meu
retorno confuso ao cemitério.
Quando finalmente terminei, olhei
para o relógio que marcava 01h27 da madrugada de 3 de
outubro de 2024. Fechei o notebook e suspirei
profundamente. O silêncio do quarto parecia quase
sagrado. Finalmente, permiti-me relaxar e adormecer.
Acordei por volta de meio-dia. O
corpo relaxado e a mente estranhamente calma. O sol
entrava filtrado pelas cortinas, projetando linhas
douradas sobre o piso de cerâmica.
Levantei-me devagar.
Foi então que vi. Sobre a mesa, ao
lado do notebook fechado, estava algo que não deveria
estar ali.
Um anel com uma pedra vermelha
intensa. Logo reconheci: era o anel de John Zegrus.
Fiquei imóvel por alguns segundos,
encarando aquela joia que atravessara sabe-se lá quantas
dimensões.
Peguei-o nas mãos, girando-o entre os
dedos enquanto em meus pensamentos refletia sobre o peso
daquela presença. Aquilo confirmava tudo: o encontro com
Zegrus e sua revelação sobre a existência de Taured, a
viagem interdimensional, as revelações sobre os
multiversos... tudo aquilo não era sonho ou alucinação.
Era real. E agora, com o anel de Zegrus em minha posse,
sabia que minha jornada não havia terminado, mas estava
apenas começando.
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